domingo, outubro 12, 2008

Kyudo

O momento de uma vida



Há alguns dias venho preparando não uma, mas duas postagens que de certa forma, se relacionam.
No entanto, em nenhuma das duas consegui acertar o tom que eu quero.
Então, “de volta à prancheta!”.

Mas como em todas as coisas interessantes desta vida, às vezes, um caminho nos leva a lugares inesperados, e este foi o caso aqui:

No processo de escrever os outros dois artigos, encontrei um terceiro, e neste sim, acho que acertei o tom:

Peço desculpas antecipadamente, se em algum ponto parecer confuso, mas a relação que estabeleço está muito mais no campo do “sentir”, que do “descrever”.

Gosto muito da filosofia oriental, em especial, do BUSHIDO, como é conhecido o modo de vida dos Samurais.
Não vou me estender muito sobre este assunto por agora, mas gostaria de falar um pouco sobre um dos aspectos disto.

Uma das muitas artes praticadas pelos Samurais era o Kyudo, uma espécie de técnica de arco e flechas.

Muito mais que “mirar e acertar”, o Kyudo envolvia todo um trabalho físico e mental, e que refletia diretamente em sua vivência diária, onde o Samurai trabalhava às vezes sua vida inteira, na busca de uma postura correta, tanto no que diz respeito ao manejo do arco, como também de seu espírito.
Na verdade, este processo de refinamento pessoal, transparece em muitos aspectos da vida destes “guerreiros”, então não é exagero dizer que muitas vezes um disparo poderia significar a culminância de toda uma vida.






O arqueiro que acreditasse estar pronto empunhava seu arco em pé ou em seiza (“sentado”) com o corpo e a mente ereta, e neste momento, sua concentração e "kokyu-ho" (técnica de respiração) o colocava no estado de zanshin, onde corpo, mente, arco, flecha e alvo, se tornavam unos.

O disparo começava no momento em que a madeira do arco nascia planta e terminava com o espírito da flecha sendo removido do alvo.

Para os eventuais espectadores, um disparo poderia levar de alguns minutos a horas.
Para o arqueiro, levava o tempo exato de uma vida.

No momento em que soltava a corda do arco, e a flecha "voltava" com a velocidade do pensamento em direção ao alvo, os mais atentos diziam poder ouvir o acorde divino, pois uma flecha disparada em estado de zanchin, sempre acertava o alvo.

É preciso entender que zanchin é muito mais que um “estado de alerta”, de uma técnica marcial.


É antes disto, uma clareza de visão, um estagio de consciência.

É uma ligação com o todo.







Neste momento, vejo uma ligação aparentemente estranha, entre o disparo de uma flecha, e um sentimento.

Estabeleço esta relação, porque mesmo em nossas vidas “agitadas”, temos momentos em que sentimentos e situações nos colocam neste estado.


Em nossa formação ocidental, temos a necessidade de classificar todas as coisas, como se este processo definisse a realidade.
Categorizando, nomeando, comparando, tornamos o mundo a nossa volta, conhecido. Fazemos dele, nossa realidade.

Mas há um momento especial, quando entre duas pessoas, surge um silêncio tranqüilo, e nada precisa ser dito.

Este silêncio está além do som, além das palavras.
Quando surge, todas as coisas do universo encontram seu lugar e função, e dois viram um.
E este um, “está” no mundo.

Assim como o disparo da flecha, que para os que observam de fora dura talvez minutos ou horas, este momento tem o tempo exato de uma vida para aqueles que o vivem.

Os olhos vêem mais do que se pode classificar, quando os dedos “libertam” a corda, e a flecha faz seu vôo de uma vida.

E neste momento, os que podem, ouvem:


“Te amo!”

Fonte:

http://pensarnaocansa.blogspot.com/

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